PET-LiF – O que é mecânica quântica então e quais são as
aplicações da mecânica quântica no nosso dia-a-dia?
Rigolin – Existem várias maneiras de se tentar dizer o que
é a mecânica quântica. De maneira bem simples, podemos dizer que ela foi uma
nova mecânica que se iniciou a partir da virada do século XIX para o século XX,
especificamente a partir de 1901, quando Planck conseguiu explicar a radiação
do corpo negro quantizando a maneira como os osciladores harmônicos emitiam e
absorviam radiação no corpo negro. Assim, ela é quântica nesse sentido: a
energia que as partículas ou que um sistema físico pode possuir deixou de ser
contínuo, deixou de poder possuir qualquer valor. Para certas configurações que
se pensava antes do advento da mecânica quântica que essa energia poderia ter
qualquer valor contínuo, as pessoas começaram a ver que essa energia aparecia
em múltiplos inteiros de uma certa quantidade fundamental. Daí o nome de
mecânica quântica, que veio do latim, quantum, quantidade elementar.
Então, de forma bem simplista, a mecânica quântica é isso. Num primeiro momento
ela rompeu os paradigmas clássicos de que as energias para certos sistemas
poderiam possuir qualquer valor e ela mostrou que para explicar os dados
experimentais a energia teria que ser múltiplos de certas quantidades
fundamentais.
PET-LiF – E as aplicações no dia-a-dia?
Rigolin – A partir da mecânica quântica a gente
conseguiu explicar as propriedades da matéria e as aplicações são num certo
sentido consequência disso. Já que você conhece
e descreve bem a matéria em nível microscópico você pode arranjar essa
matéria e preparar dispositivos e sistemas físicos para fazer aquilo que você
deseja. Por exemplo, você pode preparar dispositivos semicondutores para fazer
processadores de computador e produzir o laser, que é luz altamente coerente e
colimada. O transistor, que está nos microchips, foi possível de ser feito em
escala bem pequena e em matéria condensada por que a gente só conseguiu
entender a matéria sólida com a mecânica quântica. Resumindo, a mecânica
quântica está nos computadores, nos telefones,
nos lasers e em vários dispositivos modernos de tecnologia que fazem uso de
chip de silício.
PET-LiF – O que seria o gato de Schrödinger?
Rigolin – O gato de Schrödinger foi uma maneira que o
Schrödinger, um físico austríaco, apresentou para as pessoas um possível
paradoxo das consequências da aplicação dos postulados da mecânica quântica. Os
postulados dão a estrutura formal da teoria quântica. Assim como a mecânica
clássica tem as três leis de Newton que você pode usar para resolver problemas,
a mecânica quântica tem um conjunto de “leis de Newton” que a gente chama de
postulados. Alguns desses postulados se usados para sistemas macroscópicos,
levavam a situações absurdas e Schrödinger, para ilustrar isso, apresentou o
Gato de Schrödinger: Ele associou um átomo instável que pode decair em outro
como sendo o mecanismo de disparo do seguinte experimento. Esse átomo, ao
decair e emitir radiação, vai ativar um mecanismo que dispara um veneno dentro
de uma caixa contendo um gato. Se o átomo não decair, o veneno não é disparado
e o gato está vivo. Se o átomo decair, ele vai emitir a radiação que vai
acionar o mecanismo envenenando o gato e o matando. Como você pode ter uma
superposição de um estado de átomo que decaiu e não decaiu ao mesmo tempo,
então você geraria uma superposição de átomo que não decaiu, gato vivo, e átomo
que decaiu, gato morto.
Com isso, Schrödinger
mostrou que se você levar o princípio da superposição da mecânica quântica (um
de seus postulados) às últimas consequências, aplicando-o para objetos macroscópicos, você pode gerar
situações absurdas como essas.
PET-LiF – O que seria então uma função de onda? E o que
significa uma superposição de funções de ondas?
Rigolin – A partir da função de onda que um sistema
físico possui, a gente pode extrair todas as informações físicas e fazer
predições para este sistema. A Função de onda na mecânica quântica seria o
equivalente, numa analogia não muito precisa, de conhecermos a posição e
momento de uma partícula clássica. Se você tem a posição e velocidade de uma
partícula na mecânica clássica ela está bem definida. Na mecânica quântica o
análogo a isso é a função de onda ou estado quântico, que você obtém resolvendo
a equação de Schrödinger. A função de onda é um objeto matemático que descreve
completamente o sistema quântico e a partir dele a gente consegue extrair
qualquer informação, qualquer predição física desse sistema. A gente pode dizer
que na mecânica quântica uma partícula deixa de ter x (posição) e v (velocidade) bem definidos e passa a ter uma
função de onda bem definida.
PET-LiF – É possível ter superposição de mais de duas
funções de onda simultaneamente?
Rigolin – Sim. Como a equação de onda de Schrödinger é
linear, superposições de soluções distintas desta equação também é solução.
Este é principio da superposição de ondas
ou das soluções de equações lineares diferenciais, matematicamente falando.
Esse princípio vai valer também na mecânica quântica. Se você tem uma, ou duas,
ou mais soluções de uma equação diferencial, a combinação linear dessas
soluções também é solução da equação linear.
Na mecânica clássica, por exemplo, quando estudamos o oscilador
harmônico, tem-se o seno e o cosseno como soluções independentes deste
problema. A solução mais geral é uma combinação linear destas duas soluções. Na
mecânica quântica temos algo parecido. Você vai ter várias soluções para um
problema e a combinação dessas soluções também é uma solução da equação de
onda, descrevendo um possível estado do sistema. O “problema” na mecânica
quântica está no fato de que cada uma dessas funções de onda pode estar
associada com situações do tipo: gato vivo e átomo que não decaiu ou átomo que
decaiu e gato morto. São duas soluções possíveis do problema e combinando as
duas, há uma nova solução também possível. Só que a interpretação física do problema
fica absurda no sentido que Schrödinger explicou com seu paradoxo.
PET-LiF – Então Schrödinger tentou levar a mecânica
quântica para um universo macroscópico...
Rigolin – Ele sabia que não deveria funcionar lá, mas
supondo que aquilo que se conhecia para descrever a matéria em sua estrutura
microscópica fosse extrapolado de maneira cega, qual seria a consequência
disso? Superposições de coisas que a gente não vê no mundo macroscópico. Gato
de Schrödinger é um exemplo deste tipo. Outro exemplo seria se você tivesse
duas portas, você poderia estar em uma situação de estar passando nas duas
portas ao mesmo tempo.
PET-LiF – Como no exemplo de fenda dupla.
Rigolin – Exato, você também não vê isso
macroscopicamente. Mas microscopicamente, passar por dois locais ao mesmo tempo
são possibilidades devido ao princípio da superposição das soluções da equação
de Schrödinger para esse problema. Passar por um lado “e”
passar por outro lado também tem de ser solução.
PET-LiF – O que seria uma superposição coerente e uma
incoerente?
Rigolin – Estados quânticos que se combinam
coerentemente é isso que eu acabei de dizer, e você pode ter estados quânticos
que se combinam “incoerentemente”, ou numa nomenclatura melhor, temos uma
mistura estatística para descrever certos sistemas quânticos. Aí você não teria
o “E”, teria o “OU” como descrição das possibilidades de seu estado. Mistura
estatística seria um estado quântico onde a partícula passou ou pela porta A ou
passou pela porta B, o gato ou está vivo, ou está morto. Isso seria o
“incoerente”, você perdeu essa coerência, essa superposição que dariam essas
interpretações absurdas no mundo macroscópico.
PET-LiF – Por que
a princípio não poderíamos observar efeitos da mecânica quântica no nosso dia a
dia?
Rigolin – Nós observamos alguns efeitos, mas não a
superposição coerente. Afinal, a matéria tem as propriedades que observamos
devido a mecânica quântica. Agora, Numa visão meio simplista para entender o
que está acontecendo, se você tem uma partícula microscópica é possível
controlá-la. Você consegue preparar um ambiente em volta dela, no qual ela se
mantêm coerente por uma escala de tempo suficientemente grande para você fazer
experimentos e presenciar esses fenômenos quânticos, inclusive a superposição
de estados. Conforme você coloca mais e mais partículas é muito difícil você
manter esse sistema isolado e fechado do ambiente. Ele começa a interagir com o
ambiente. A escala de tempo que ele permaneceria quântico e coerente se reduz
proporcionalmente a quantidade de partículas que a gente vai compondo para
montar o sistema macroscópico. Quanto mais e mais átomos a gente tem, mais e
mais possibilidades de interagir com o ambiente. Então, mais e mais rapidamente
o sistema vai perder a sua coerência e se comportar como algo macroscópico. É
muito bonito falar isso, mas é difícil quantificar isso. Isto é um problema
ainda aberto na mecânica quântica.
PET-LiF – A princípio a gente pode dizer que tudo é
quântico e tende a virar clássico?
Rigolin – Você pode pensar que a mecânica quântica seria
a teoria mais fundamental e devido a esse problema da decoerência, da interação
do sistema com o ambiente, rapidamente ela tende para comportamentos tipo
clássico. Mas também não existe uma prova tão rigorosa e formal que você mostra
sem nenhuma complicação matemática que no limite em que isso aconteça a
mecânica quântica tende a mecânica clássica perfeitamente. Tudo indica que isso
acontece mas não há uma prova rigorosa para isso.
PET-LiF – Você acha que o gato de Schrödinger é o melhor
exemplo que existe para explicar o que Schrödinger quis dizer? Ou você acha que
existem alguns exemplos melhores para tentar demonstrar como a mecânica
quântica se comportaria no mundo macroscópicos.
Rigolin – O gato de Schrödinger é um bom exemplo, por
que ele dá esse aspecto fantástico de que algo está vivo e morto ao mesmo
tempo, mas você poderia fazer essa analogia com qualquer duas propriedades
macroscópicas que na nossa lógica clássica seria impossível de acontecer. Você
pode falar que algo estaria acontecendo ao mesmo tempo, passar por duas portas
ao mesmo tempo, estar em dois locais ao mesmo tempo. Tudo isso se você
extrapola da mecânica quântica para o
mundo macroscópico o princípio da superposição. Ele pegou um exemplo dramático,
de vida ou morte, vamos dizer assim.